Acordo. As remelas ainda grudadas e as pálpebras abrindo, penso no café. É esperado das manhãs que elas tenham café. Levanto da cama depois de espreguiçar de forma demorada. Mentalmente coloco em linha quais as variedades que tenho no armário, Bourbon, Catuaí amarelo e vermelho. Estrala alguma parte do corpo e sigo pro banheiro. Blend ou tradicional? Não escovo os dentes antes que é para não estragar o paladar. Bochecho bem grande de água e um gargarejo para um leve divertimento matinal com barulhos. Roupa no corpo, cara lavada, estou pronta para o “brew coffee” matinal.
Chaleira, aquela mesma toda queimada e que não apita mais. Metade vermelho, outra metade o bom e velho alumínio. Não troco por nada. Nela, só água. Não gosto de misturar. De olho mesmo coloco um tanto de água e penso sempre “escaldar, esquentar e mais x para cada grama do pó”. Conto meio que em voz alta as pessoas da casa e se tomam café. É cedo demais para aqueles que não são do ofício.
A semana
De segunda a segunda o esquema é pegar a jarra, porta-filtro, filtro. Depois a balança, pote hermético com os grãos e o moedor. Crac, crac, vrum. Aquele barulhão súbito quando liga o equipamento com os grãos quebrando dentro. Já fui mais hipster com o moedor de madeira e sei comprovadamente com minha própria experiência que ele é melhor. MAS tomar café 1 a duas vezes por dia e ainda fazer para outras pessoas são muitas e muitas horas no mês com o bracinho em movimento na manivela. Vamos ser práticos que ainda é de manhã!
Acompanho a água que ferve rápido na panelinha velha. Desligo. Não é paranoia ou excesso, mas escaldar o filtro de papel é uma das coisas mais favoráveis que você pode fazer para seu líquido precioso não ter sabor de celulose. Água quente nele e enquanto isso esquenta a jarrinha gelada depois de uma noite no escorredor. As xícaras também. Eu não passo a água tão fervendo no café, fico com dó, coisa minha.
Tem dias que não é com o resultado do café na xícara que eu me alegro. É a primeira caída de água nos grãos moídos que formam uma coloração marrom com várias tonalidades. Um bolo se forma e microbolhas fazem por apenas alguns segundos movimentos que mudam todo o quadro. O aroma sobe e a casa inteira fica avisada que vai ter café, sim!
Espero alguns segundos e olho na balança. É eu sei, excesso de zelo talvez, paixões são assim para tudo. Aquele cuidado com cada mililitro versus grama. Bateu a meta de água no filtro é só esperar. Conto cada segundo. Já tô de olho na cor e o gotejar a tempos. Mas nunca sei ao certo se acertei a moagem, se a temperatura estava correta, se guardei certinho os grãos, se a balança estava precisa. Sono demais para algumas coisas, fica inviável ser barista pela manhã.
Aquela leve balançada para misturar a coisa toda. Ondas de café, ondas do mercado, ondas no vidro todo cheio de marquinhas para cada tipo de pessoa. O vidro temperado, o café todo coado. Tons de marrom. Não preto escuro. Âmbar. Caramelo. Pantone 4C 462. A xícara, a que tiver limpa, quentinha e está pronta. Aqueles desenhos, fotos do sobrinho, textos de autoajuda ou apenas o nome de um lugar que você foi nas férias estavam na volta da caneca toda. Tanto faz. Importa o conteúdo, sempre!
O resultado
Por fim, sento em algum lugar ou apenas desbloqueio o meu celular. O Instagram, TV moderna dos tempos atuais é minha cia para este momento sagrado da rotina. É assim que eu desperto e acordo no mundo. Mais atenta depois de alguns goles, puxo a embalagens de grãos e releio sobre o produto. Cidade, região, peneira, variedade, altitude, processamento, fazenda e produtor. Tudo ali. Em detalhes, a vida do café mais exposta que minha conta no Facebook. Agradeço ao produtor, já que tenho até o nome dele. Aquele “obrigada” com carinho pois tornou o começo do dia melhor. Escovo os dentes, pego as minhas coisas e vou trabalhar, que nos dias de hoje não temos tanto tempo para romantismos. O café me desperta até da paixão por ele mesmo.